Preciso falar sobre ela.



Ela é de câncer, é morena,
tem o sorriso mais lindo desse mundo,
que só fica evidente quando acorda cedinho,
me olha, sorri e volta a dormir.
Eu fico a noite inteira acordado,
faço contas com as moedas do meu bolso,
pra sonhar em quantos anos suados vou poder
te levar pra nossa casa, com aquela mesa de jantar
rustica do jeito que você gosta, com uma penteadeira
bem bonita, e um lugar para colocar nossas fotos.
Ter um hamster e um cachorro? Ou só um hamster?
Eu não sei, pelas minhas moedas, só um ratinho mesmo.
Nunca planejei mais do que um mês da minha vida,
agora me vejo enxergando uma vida inteira,
viagens que ainda faremos, os lugares que
vamos odiar, os lugares onde vamos morar,
e os que só vamos olhar pela janela do trem.
Sua mãe passa pela sala e nos olha deitados
na cama, você dormindo e eu te observando,
é tão bom ter uma segunda casa, uma segunda
família, sempre tenho medo de estar dando
trabalho demais para eles, mas família é pra atrapalhar,
não é mesmo? Bom, eu acho que sim.
Da ultima vez que eu nos apresentei enchi meu peito
para falar “Nós”, “Nós somos namorados!”, impactante,
ouço um “que bonitinhos!”, abro um sorriso de orelha a
orelha enquanto ela cora inteira. É tão estranho,
como eu aprendi a me desapegar de coisas bobas,
como falar “eu”, era tudo “eu” isso , “eu” aquilo,
agora somos nós, NÓS, plural, bonito, não é ? Bonitinhos.
Enquanto você dorme e de cinco em cinco minutos
me manda dormir também, eu penso no quanto você
me salvou, em quantas vezes você beijou minhas feridas
para elas sararem, em quanta paciência você tem comigo,
e no quanto você me faz bem.
Uma lagrima cai, e você acorda, fala pra mim,
 “chora não mor”, eu dou uma risada, e falo “besta”,
você sorri, e me salva novamente do mar de lagrimas
por onde navega tranquila minha felicidade.