Um último brinde.


Encho o copo para esvaziar o coração,
enquanto o gelo morre aos poucos em laranja,
meu sorriso amarelo se inflama com o pouco
de álcool que se espalha dentro de minha garganta,
 logo estou em brasas, arde tanto que me esqueço
da dor no peito, finalmente me sinto bem.
A velha vitrola da sala não esta no melhor do
seus dias, por isso toca baixinho, quase em segredo
para mim, as lindas canções de um coração incurável,
dos meus poetas suicidas preferidos.
Mais uma dose, e não sinto mais a ponta
de meus dedos, o copo dança em torno do ar,
numa queda livre em direção ao piso de madeira,
e lá se partilha em milhares de pedaços,
o cheiro seco de uísque barato apodera o cômodo.
É o fim,  aqui me despeço cordialmente dessa
vida de amores baratos engarrafados sem rotulo,
abro a porta rangente do mini bar no canto
da sala, pego um novo copo e o encho,
faço um ultimo brinde para a sala vazia,
e então bebo meu doce veneno.
Meu néctar do esquecimento começa
a fazer o efeito esperado, em pouco
tempo serei criança novamente correndo
livre pelas ruas, sem se preocupar, sem amor,
sem dor, sem nada...






Imagem : We Heart It_@johanna296

Noite sem Estrelas.


A noite nos abraçava calorosa,
só dava tempo de calçar meus tênis
e lá íamos nós dois, na nossa aventura
particular, os outros nos deviam achar
meio loucos, mas quem nunca perdeu
a sanidade para a noite que nos julgue,
eu saltava e corria a passos largos.
A noite veio para nos libertar dessa
merda de semana, desse mal estar
que eu sentia todo domingo a noite,
você sempre corria a frente,  como se fosse
alcançar a felicidade se chegasse primeiro.
Como sempre paramos no nosso lugar,
algum dia podia ter sido o lugar de alguém,
mas agora era nosso, e só nosso,
e aqui fingíamos que víamos as estrelas,
e você me contava a mesma historia
de quando se perdeu no acampamento.
Depois de me explicar como você
chegou a salvo em casa se guiando
pelas estrelas, nós nos olhávamos,
e gargalhávamos a noite inteira.
O sol chegara, e me cegava
no abrir dos olhos, enquanto
eu apenas desejava mais
uma noite sem estrelas.




Imagem : Mario Pin.

Maré Alta


O sol colide com o Oceano,
e por um segundo tudo se torna laranja,
e depois volta a ser a mesma escuridão
profunda onde apenas as estrelas
são convidadas para a festa.
Da janela da minha cabine quase da pra ver
um farol, parece abandonado, como se
alguém tivesse ligado ele apenas para
ajudar quem se perde no mar, acho
bom ele me guiar para o caminho certo,
estou perdido aqui, sem bussola,
e sem aquele seu mapa para a felicidade.
A maré alta me invadiu, me afoguei
nas lagrimas que jorravam sem parar,
não quero perder minha sanidade
por que a cada balançar desse navio
a tua falta cede meu peito, mais e mais.
Naveguei para onde achei que era o Norte,
só havia o som da agua batendo no meu
queixo, me segurei num bote amarelo,
a única coisa que me impedia de afundar
era sua foto que pendia entre meus dedos molhados,
aqui me encontro, rendido, desejando apenas
que a maré alta me carregue para um lugar bom.




Imagem : Puca Ribeiro.

Sina


Me apaixonei pelos seus olhos falsos,
e sua falta de delicadeza, e sua terrível
queda por sobremesas, vai saber,
só a vi e já soube que era ela,
agora a protagonista dos meus pensamentos.
Me falta coragem nessa vida,
nem teu nome soube como perguntar,
escrevo tudo isso apenas pelo fato
de crer nessa maldita sina torta,
que comanda a minha vida.
Rezo para que me encontre,
que encontre minhas migalhas de pão,
meu caminho de tijolos dourados,
para que eu possa respirar novamente,
depois de tanto segurar meu folego,
quando a vi partir gargalhando pela esquina.
Ó maldita sina, seja boazinha com
quem nasceu sem sorte alguma,
e cruze essas linhas encruzáveis
que são nossas vidas.
Se por algum motivo a sina sorrir para mim,
me procure por aí, meu nome é Lucas,
muito Prazer.




Imagem  : Antonio Jorge Nunes.

Em algum lugar do Passado


Por alguma razão cada lembrança minha
tem um aroma, um gosto que ficou no ar,
e foi capturado como uma fotografia aromática,
uma pintura se forma e se transforma dentro
de mim, dentro do breu dos meus olhos selados.
Neste cheiro calmo, de um Janeiro calado,
de protetor solar, e de falta de ar, é onde
eu me encontro, sempre estarei aqui
com meu violão esperando você,
na calçada irregular, com meu melhor
Tenis e meu mais sincero sorriso.
Lá esta você, olhando pra mim,
respirando fundo antes de falar,
sua mãe esta nos olhando pela
janela, eu sei, mas não há mais
por que esconder o fato que
estamos tremendamente apaixonados.
Você me olha daquele jeito que quando
o Sol invade a escuridão dos seus olhos
eles brilham, como uma reposta pro Sol,
uma resposta pra mim, então começo
a dedilhar as velhas cordas do violão,
só sei essa musica, mas não tem problema,
por que é a sua preferida mesmo.
O sol vai morrendo aos poucos,
escurece devagar, até eu não conseguir
mais te enxergar, ainda escuto o violão,
e sinto sua mão no meu pescoço, e
agora não há som algum, só sinto o calor
que sua mão deixou em mim, tudo se vai,
só me resta esse cheiro doce e calmo,
minha chave secreta para esse momento.




Imagem : Demétrio Sena

Sonhador


Sempre gostei de inventar historias,
quando era criança sonhava em ser
cientista, para poder inventar uma cura
 para os adultos que tanto choravam,
e estavam sempre tristes se escondendo
pelos cantos, como se a tristeza fosse
algo contagiante, um vírus.
Eu tinha um caderninho, lá escrevia
meus sonhos mais profundos, como
ter uma família feliz dessas de comerciais
de TV, viajar o mundo inteiro, ser feliz,
ser amado e poder amar de volta,
e até fazer uma tatuagem e rir dela depois
que estiver bem velhinho.
Não sei o que houve, não virei cientista
e perdi o caderninho, acho que eu esqueci
a importância de sonhar, ou simplesmente
me deram uma porção daquele vírus de adulto.
Agora enxergo tudo com esse tom amarelo seco
de verdade, parei de escrever, de inventar historias,
parei de sonhar, minhas noites se tornaram apenas
uma escuridão sem fim, alguém assoprou todas
as estrelas até elas se apagarem em mim.



Imagem : Alvaro Roxo.